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Prefeitos assumem pressionados por bomba-relógio da pandemia e da crise econômica

Uma pandemia em plena ascensão, com pressão crescente por leitos de UTI e sem uma data ou plano claro de vacinação para a população na maioria das cidades brasileiras. Comércio, escolas e serviços parcial ou totalmente fechados por causa da crise sanitária, fim do auxílio emergencial, desemprego crescente e pouco dinheiro em caixa para dar conta de tudo.

Esse panorama de tempestade perfeita coloca uma verdadeira bomba-relógio no colo dos prefeitos eleitos que assumem ou dão início ao segundo mandato nos executivos municipais. Sem tempo ou motivos para comemorar, boa parte deles terá de dar respostas rápidas a todas essas crises sem precedentes na história recente de suas cidades, já a partir de janeiro.

Um exemplo extremo da situação que os prefeitos vão encontrar em seus municípios neste ano é o Rio de Janeiro, onde aos fatores expostos acima ainda soma-se uma enorme crise política. O novo prefeito, Eduardo Paes (DEM), pega o bastão do ex-prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) em prisão domiciliar, acusado pelo Ministério Público de ter montado uma organização criminosa dentro da prefeitura e desviado pelo menos 50 milhões de reais dos cofres públicos. Ele nega. Paes encontra no seu primeiro dia de trabalho uma cidade em que a ocupação dos leitos de UTI para pacientes com covid-19, doença causada pela pandemia do novo coronavírus, está acima de 90% há mais de dez dias, e deve subir nas duas primeiras semanas de janeiro após as festas de fim de ano.

Para tentar conter a explosão de casos e o colapso do sistema público de saúde na cidade, a prefeitura carioca proibiu até festas particulares de Ano Novo e restringiu o acesso à orla. Para “fechar o quadro”, como diz o jargão médico sobre pacientes em situação muito difícil, a prefeitura em dezembro atrasou o salário referente a novembro dos 16.000 servidores municipais da Saúde, que ainda não receberam o décimo terceiro. Funcionários terceirizados também reclamam de atrasos nos pagamentos, assim como as Organizações Sociais que gerem hospitais e outros aparelhos de saúde.

Os atrasos são reflexo de uma grave crise no caixa da prefeitura do Rio. A equipe de Paes calcula que o município não tem recursos para quitar o 13º nem o salário de dezembro. O déficit para conseguir pagar tudo, incluindo dívidas com fornecedores, seria na casa dos 10 bilhões de reais. Em notas à imprensa, a gestão que sai afirma que trabalha para fazer os pagamentos, sem dar datas. Na terça-feira, três dias antes de assumir, Paes falou a jornalistas e disse que vai reabrir leitos de UTI fechados e ampliar a testagem da população para tentar enfrentar a pandemia. “O Rio tem cerca de 1.800 leitos disponíveis na rede pública, municipal, estadual e federal. A cidade ficou perdendo tempo abrindo hospital de campanha”, afirmou o prefeito eleito. Ele prometeu não ampliar as restrições de circulação e funcionamento da cidade, mas pediu a colaboração da população. “A gente tem que trabalhar com a população no sentido de que as pessoas respeitem as regras mínimas. Não me parece viável propor medidas excessivamente restritivas, mas a população precisa colaborar.” Paes afirmou também que é uma prioridade abrir as escolas no início do ano letivo em 2021, mas não comprometeu-se com alguma data.

Em Manaus, uma das capitais que foi mais castigada pela covid-19 no começo da pandemia no país, vítimas do coronavírus já lotam 89% dos leitos disponíveis na rede pública 100% nos hospitais particulares. Mesmo assim no início a semana, após um protesto de comerciantes no centro da capital amazonense, prefeitura e governo do Estado decidiram manter toda a atividade econômica aberta, sem aglomerações. Representantes do Ministério Público, Defensoria, entidades e sindicatos de saúde entregaram na quarta-feira uma carta ao governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), pedindo mais restrições na capital. O novo prefeito, David Almeida (Avante), já fala em reabrir hospitais de campanha, o que deve anunciar no dia da posse.

Em São Paulo, cidade com maior número de casos e mortes pela pandemia no país, a lotação dos hospitais é menor mas não para de crescer. Desde o início de dezembro, as internações por covid-19 aumentaram 40%. Os hospitais públicos com mais pacientes são o Hospital das Clínicas, da rede estadual, e o Hospital Municipal da Brasilândia, da rede municipal. Segundo os dados do Sistema de Monitoramento Inteligente (Simi) do governo estadual, entre o início do mês e este domingo (27) o Hospital das Clínicas registrou um aumento de 23% no número de pacientes internados na UTI. Na quarta, a taxa de ocupação nos hospitais da cidade de SP era de 61%. O índice estava em 33% em outubro.

A situação é preocupante e 20 profissionais do Centro de Contingência do Coronavírus do Estado de São Paulo divulgaram nessa semana uma “carta pela vida” onde pede que as pessoas evitem festas e aglomerações em geral, além de reforçar a necessidade do uso de máscaras quando sair de casa. “Os números de casos, internações e óbitos por covid-19 no mês de dezembro apontam um crescimento da pandemia no Estado”, diz a missiva pública. “A transmissão da doença retornou com força. O total de novos casos de coronavírus registrado no mês já é seis vezes maior do que em comparação à soma dos três primeiros meses da pandemia. O número de mortes é 60% superior ao total de vítimas fatais entre março e maio”, explicam os profissionais.

Mudanças de última hora na classificação de risco do Estado e da capital aliadas à confusão e adiamentos na divulgação dos resultados de eficácia da Coronavac —aposta e promessa do governador João Doria (PSDB) para vacinar a população de SP a partir de 25 de janeiro — fazem com que o paulistano comece o ano sem saber ao certo se o comércio e as escolas estarão abertos e como. Em nota, a Prefeitura de São Paulo afirma que “o aumento de casos de internação em consequência da Covid-19 se deve principalmente ao relaxamento das medidas de isolamento social, que facilitam a propagação do vírus” e que está ampliando a oferta de leitos de enfermaria e UTI para o enfrentamento da pandemia. “A expectativa é que, com novas medidas de isolamento, esses números crescentes da doença não se mantenham e sejam novamente reduzidos”, diz a nota. De efetivo, a principal ação do prefeito reeleito Bruno Covas (PSDB) foi assinar embaixo de um aumento do próprio salário aprovado na Câmara. O salário do prefeito passara de 24 mil reais para 35,4 mil por mês a partir do ano que vem. “O teto está congelado desde 2013, quando tivemos o último reajuste. Durante esse período de 8 anos, a inflação foi algo em torno de 60 a 100%, dependendo do valor que é considerado. O salário mínimo aumentou nesse período 68%. O valor do salário dos professores na rede municipal aumentou 80%. Então hoje o teto está defasado”, afirmou o prefeito reeleito em entrevista à GloboNews ao defender o aumento e dizer que ele é necessário para poder aumentar o salário de outros funcionários que deixam a prefeitura por salários mais altos.

No plano fiscal, a margem de manobra da capital paulista é maior. Mesmo assim, a maior arrecadação entre os municípios do Brasil tem um orçamento para o ano que vem prevê cerca de 2% menos dinheiro. Ao todo, a prefeitura prevê gastar 67,5 bilhões de reais. Eleito como vice-prefeito de Covas, o vereador Ricardo Nunes afirmou em encontro virtual de eleitos que já foi promovido um ajuste fiscal na prefeitura, com a demissão de 30% dos funcionários comissionados, o que se por um lado gerou mais desemprego na cidade, por outro representa uma economia de caixa.

Cada um por si

Em meio a tudo isso, o Governo federal não consegue apresentar um plano nacional de imunização adequado —a única garantia e retorno à vida normal e retomada consistente da atividade econômica nas cidades. “A vacina é a única forma efetiva de resolver o problema. Só assim você consegue retomar a economia de forma contínua e não fica nesse abre e fecha das atividades, nessa incerteza, como estamos vivendo novamente com o aumento de casos”, explica Joelson Sampaio, coordenador do curso de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo em entrevista ao EL PAÍS. Dados divulgados na terça-feira pelo IBGE mostram que a taxa de desemprego ficou em 14,3% no trimestre encerrado em outubro.

Enquanto a imunização começa nos Estados Unidos e na Europa e outros países da América Latinam como a Argentina, já iniciaram a vacinação de profissionais de saúde e grupos de risco, nesta semana, fracassou um pregão promovido pelo Ministério da Saúde para comprar seringas e agulhas que serão utilizadas na vacinação. O Governo conseguiu comprar menos de 3% do previsto de 331 milhões de unidades e entra 2021 sem o estoque necessário do material para vacinar os brasileiros contra a covid-19.

No início de dezembro, 80 prefeitos eleitos e reeleitos assinaram uma carta da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) que cobrava do Governo federal mais clareza em relação ao plano nacional de vacinação contra a covid-19. “Não é razoável que algumas cidades e Estados tenham que lançar mão de estratégias locais de aquisição de vacinas para proteger a população porque o governo federal procrastinou assunto tão importante”, disse na ocasião o prefeito de Campinas e presidente da FNP, Jonas Donizete. O detalhamento do plano do governo federal não veio e diversas prefeituras e governos estaduais organizam planos próprios de vacinação, a exemplo do que acontece em São Paulo.

A FNP assinou um acordo com o Instituto Butantã para facilitar a compra da Coronavac diretamente pelas prefeituras. “Estamos celebrando aqui um acordo em que dizemos sim, sim nós desejamos que o nosso povo brasileiro seja vacinado”, afirmou Donizete na assinatura do acordo. Segundo o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, pelo acordo será oferecido para a FNP dividir em um primeiro momento 4 milhões de doses. Covas voltou a falar em “plano B”, referindo-se à resistência do governo federal em comprar a vacina CoronaVac, desenvolvida em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac. “Queremos que essa vacina seja ofertada a todos os brasileiros, mas depois de alguns problemas, estamos agora com um plano B, para ofertá-la diretamente aos estados e municípios”, disse.

Alívio de caixa?

Com o decreto federal da pandemia em março, o Governo federal editou Medidas Provisórias destinando recursos para que Estados e municípios pudessem enfrentar a crise. No entanto, por definição legal, esse dinheiro deveria ser utilizado até o final de 2020. Foram pelo menos 60 bilhões de reais em repasses diretos a governos estaduais e municipais. No entanto, como a maior parte do dinheiro chegou de fato no início do segundo semestre, o Tribunal de Contas da União (TCU) autorizou sua utilização em 2021. “Boa parte dos recursos foi repassado no segundo semestre e isso dificultou a utilização dos municípios, então temos mais 12 meses para utilizá-los, até porque a pandemia não vai se encerrar na virada do ano”, afirma o secretário-executivo do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Junqueira.

De acordo com dados do Ministério da Economia, as transferências de recursos da União para Estados e municípios superou a queda da arrecadação dos entes no primeiro semestre na maioria dos lugares. De acordo com a pasta, o valor arrecadado pelos governos regionais nos seis primeiros meses do ano foi 7,1 bilhões menor que no mesmo período do ano passado. A diferença representa uma queda de 3,5%. Por outro lado, entre março e junho, a União repasso 9,2 bilhões para estados e municípios, valor 2,1 bilhões superior a perda da arrecadação acumulada no primeiro semestre. Além do montante repassado, o Governo federal também suspendeu 6,1 bilhões em pagamentos de dívidas dos entes.

Os recursos extras e a pequena folga no caixa devem dar algum fôlego para pelo menos parte dos municípios no começo do ano, afirma a frente de prefeitos, mas não irão perdurar em 2021 e a demanda por serviços sociais e estímulo ao emprego e atividade econômica por parte da população em relação à prefeitura deve aumentar. Dentre os eleitos e reeleitos, destacam-se as propostas do novo prefeito de Belém, Edimilson Rodrigues (PSOL), propôs a criação de um programa de renda mínima na capital paraense. Em coletiva de imprensa após a vitória, ele reafirmou promessa de campanha de criar uma espécie de bolsa para a população de baixa renda de até 450 reais por família. Rodrigues também disse que pretende criar uma brigada de trabalho para limpeza de bueiros e de canais para gerar empregos, e que vai incentivar a criação de startups. Ele também disse que pretende discutir a separação de recursos orçamentários para garantir compra de vacinas contra a covid-19 para o município por conta própria.

Fonte: MSN

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