Carranqueiros atraem turistas e mantêm viva tradição em Pirapora (MG)
Foto: Zinclar / CBHSF |
Entre inúmeros e curiosos olhares, o primeiro é meio assustador. Mas, com o tempo, logo dá pra perceber os ricos detalhes dos traços das tradicionais carrancas de Pirapora, norte de Minas Gerais. Pintura forte, umas com brilho, outras mais foscas e vigorosas, esses objetos atraem turistas de todo o Brasil.
Na cidade ribeirinha, às margens do rio São Francisco, a Associação dos Carrranqueiros mantém viva a esperança de aumentar as vendas e a própria cultura das carrancas: segundo reza a lenda, elas atraem o Caboclo D’água e espantam os maus espíritos durante as viagens nas embarcações do Velho Chico.
Desde a década de 1970, Antônio Ramos produz, com as mãos ainda firmes, carrancas de vários modelos, tamanhos e cores. Ele conta, com entusiasmo e emoção, a satisfação que tem de dedicar, em média, quatro dias para confeccionar o objeto. “Dá pra vender por uns duzentos reais, dependendo do tamanho e da madeira. Tudo que vendemos, o dinheiro fica todo para o artesão. Antes, pagávamos uma comissão para a associação, mas hoje mudou”, conta.
O prédio da associação foi doado pela prefeitura em 1982. Hoje, todos os dias, os artesãos trabalham desenhando, cortando, decorando e finalizando as carrancas, e também imagens de Jesus Cristo e de santos (São José, São Francisco, São Judas, Nossa Senhora de Fátima), réplicas do Vapor Benjamim Guimarães, barcos, terços, cruz e outras peças. Na sala de exposições, a fotografia estampada de Dedeco Boaventura Leite chama atenção.
Segundo os trabalhadores, ele foi responsável, entre 1975 e 1982, por sustentar o artesanato em Pirapora, apoiando ativamente todas as famílias que, à época, iniciaram o trabalho na cidade. “Quando passávamos por dificuldades, era Dedeco que nos ajudava com alimentação, pagando contas de água e luz. Ele é muito importante para todos nós”, confirma Antônio, que aprendeu o artesanato ainda pequeno, quando chegava da escola e ficava “curiando” as senhoras trabalhar. “Hoje, com as vendas, dá pra levar uma vida boa. Mas já vendemos mais, antigamente era melhor”, afirma.
“Em 1982, vendi uma carranca por encomenda, que precisei da ajuda de mais três amigos. Juntos, gastamos 25 dias pra fazer. Ela tinha 1,70 metro de altura”, relata.
A principal matéria-prima das carrancas é comprada dos fazendeiros. No entanto, a maior parte da madeira e da lenha os artesãos recebem de doações. “A Vale do Rio Doce recentemente fez uma doação boa pra gente. Toda essa madeira que está aqui foi ela que nos deu. Ano passado, com a construção das casas populares, as empreiteiras também doaram pra gente”, ressalta o artesão que fez questão de contar várias histórias do passado.
As duas filhas, no entanto, não querem aprender a arte do pai. “Até que não fico triste. Elas estudaram e é isso que importa. Hoje o tempo é outro. A história é outra. Meu passado com as carrancas e com o meu trabalho estará sempre guardado comigo e com minha família. Graças a Deus consegui conquistar o orgulho delas com o meu esforço, com o meu suor derramado por cada peça que construo diariamente aqui em Pirapora”, afirmou.
Entre as dezenas de carrancas expostas, seu Antônio faz questão de contar a que lhe deu mais trabalho, aquela para que dedicou mais tempo e força. Ela custa R$ 500,00 e tem 1,20 metro de altura. “Logo, logo não estará mais aqui, algum turista vai comprar para expor em casa, no ambiente de trabalho ou algo assim. É bom saber que o povo gosta de ter uma carranca enfeitando o lar. Essa cultura não pode acabar”. Ele também fabrica carrancas com três faces, que custam em média R$ 450,00.
Representatividade
Dona Luzia Carneiros Soares nasceu em São Romão e aos 13 anos se mudou para Pirapora. Aos 15 se casou, e de lá pra cá nunca largou o amor pelo artesanato, sobretudo pelas carrancas. Ela conta, com os olhos brilhando, a satisfação que tem em fazer parte dessa história barranqueira.
“A gente representa Pirapora. O turista vem aqui na associação para ver a gente trabalhando, confeccionando a carranca, para ver se é verdade, se é feita à mão mesmo. É isso que nos deixa encantada”, confessa.
Com olhar vivo, a artesã conta que todos os filhos sabem fazer carranca, a réplica do Vapor Benjamim Guimarães e imagens de santos. Ela torce para a tradição não acabar e quer fazer mais, quer lutar pra divulgar ainda mais o trabalho e a paixão que teve ao ensinar os seis descendentes.
Todos os dias, pela manhã e à tarde, Dona Luzia trabalha na associação. Para ela, é motivo de orgulho ter criado toda a família com o dinheiro que ganhou vendendo os produtos. “Hoje, graças a Deus, minha vida está melhor. E devo isso a tudo isso que está aqui a minha volta, cada ferramenta que carrego e uso, e cada carranca que faço com amor, com dedicação e vendo com gosto, com sabor de conquista; e quero sempre mais aumentar a produção. Eu aprendi a fazer isso aqui aos 15 e vou morrer com esse trabalho”, conta.
Campanha carranqueira
Recentemente lançada principalmente nas redes sociais, a campanha “Eu viro carranca pra defender o Velho Chico” despertou curiosidade nas pessoas que, até então, nem sabiam o que era uma carranca. Com a seca que o rio está vivendo, a proposta é transformar os cidadãos em verdadeiras carrancas, para assim salvar o Velho Chico e fortalecer a vida, já que muitos ribeirinhos dependem do segundo maior rio brasileiro para sobreviver.
Ambientalistas, pesquisadores, ativistas ecológicos e biólogos apostam na revitalização do rio. Perguntados sobre a relação da carranca com a defesa do rio, os artesãos piraporenses afirmam que estão à disposição para, juntos, lutarem em defesa do Velho Chico. “A carranca espanta os maus espíritos e pode, também, despertar em cada piraporense uma força pra lutar e salvar nosso rio”, revelaram.
Sinfonia do vapor Benjamim Guimarães
Há ainda, além das famosas carrancas, o tradicional vapor Benjamim Guimarães, construído em 1913 nos Estados Unidos e que todos os finais de semana e feriados leva piraporenses e turistas a um mágico e belo passeio com direito à boa música, comidas e bebidas típicas. O barco percorre aproximadamente 20 quilômetros e o passeio dura pouco mais de duas horas.
A embarcação, única movida a lenha em funcionamento no mundo, também é palco da Sinfonia do Velho Chico, um novo produto cultural e turístico que vem atraindo gente de todo o país e até do exterior. Cerca de 80 músicos da Orquestra Sinfônica Jovem de Pirapora tocam clássicos nacionais e internacionais a bordo do vapor, enquanto percorrem um cenário único e mágico: o rio São Francisco.
Responsável pela realização do evento, a Empresa Municipal de Turismo (Emutur) faz reservas pelo telefone: (38) 3741-2366 ou pelo site www.emutur.com.br.
O vapor Benjamim Guimarães tem 44 metros de comprimento, oito de largura, além de três conveses. A capacidade é de 204 lugares, contando com a tripulação (12 marinheiros da Capitania Fluvial do São Francisco - Marinha do Brasil). O barco possui 12 cabines com beliches, dois refeitórios e oito banheiros. Numa viagem de aproximadamente duas horas, são gastos em média quatro metros cúbicos de madeira (eucalipto). Para viajar a bordo, o turista paga R$ 40,00. Crianças de 0 a 6 anos não pagam. Idosos acima de 65 anos, estudantes e crianças de 7 a 11 anos, pagam R$ 20,00.
Ascom Codevasf
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